UMA PERSPECTIVA DESPADRONIZADORA DA ATUAÇÃO FEMININA NO AMBIENTE TOTALITÁRIO
Por: Julia Rosa
Júlia Rosa Fernandes Salgado, Bacharel em Direito, especialista em Direito Educacional, pós-graduada em Coordenação e Orientação Pedagógica, Supervisão Escolar e Educação Infantil, graduanda em Pedagogia. Júlia é apaixonada pela educação e pelas infâncias, poetisa nas horas vagas, movida pela fé, já exerceu diversos cargos no âmbito educacional, atuando no Colégio La Salle Abel/Niterói a 9 anos, sendo 4 deles dedicados exclusivamente a Educação Infantil. Cofundadora da página do Instagram @acreditenainfância.
Dando continuidade ao hediondo tema do holocausto, hoje abordaremos a forma pela qual ele se relaciona diretamente com nós, mulheres.
Vítimas como Anne Frank nos fazem refletir como sonhos e vozes foram ceifadas no ambiente do regime nazista. Há também aquelas vozes que foram temporariamente interrompidas, como a filósofa Hannah Arendt. Nascida em 1906 na Alemanha, começou a ser perseguida em 1933 por sua origem judia, tendo sido presa pelo regime naquele mesmo ano.
Diferente de Anne, Arendt conseguiu imigrar e se salvou. Em 1941, já nos EUA, o regime retirou a nacionalidade de Hannah Arendt, que se naturalizou norte americana em 1951.
Ainda na Alemanha, Arendt se distanciou de todos os seus amigos acadêmicos que, de alguma maneira, apoiavam algum tipo de regime totalitário, seja ele o nazismo, socialismo ou comunismo.
A sua luta contra toda espécie de totalitarismo é tão grande que as obras de Arendt são vivas pelo mundo todo. O atual conceito de “banalização do mal”1 é resultado da cobertura jornalística do julgamento de ex-oficiais nazistas realizado pela autora.
Importante citação do conceito, temos que “os membros fanatizados são intangíveis pela experiência e pelo argumento; a identificação com o movimento e o conformismo total parece ter destruído a própria capacidade de sentir, mesmo que seja algo tão extremo como a tortura ou o medo da morte”2.
A partir do conceito da “banalização do mal” torna-se mais fácil entender como, no ambiente totalitário, milhares de mulheres tiveram suas vozes modificadas pelo nazismo.
1 Para Arendt a banalidade do mal é o fenômeno da recusa do caráter humano, alicerçado na negativa da reflexão e na tendência em não assumir a iniciativa própria de seus atos. “Eichmann em Jerusalém, um relato da banalidade do mal”, 1963.
2 Arendt, Hannah (2017). Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia de Bolso.
Irma Ida Ilse Grese foi diretora sênior do campo de concentração feminino Auschwitz durante a Segunda Guerra Mundial. Nascida em 1923, em uma família pobre e numerosa, presenciou o suicídio da própria mãe e seu pai não conseguiu proporcionar educação de qualidade para todos os seus filhos.
Grese se revoltou, saiu da escola e se deparou com um regime que exaltava sua identidade alemã, bem como seus atributos físicos (força, beleza e juventude). Rapidamente, a voz dessa menina de apenas 18 anos foi brutalmente modificada pelo regime nazista.
Apelidada pelos prisioneiros de “anjo da morte”, “bela fera”, e “demônio loiro” e pelos nazistas de “rainha da SS” foi responsável por terríveis atos de crueldade e tortura quando só tinha 20 anos de idade. Dentre as barbáries, Grese gostava de “brincar” de roleta russa com seu revolver perante o rosto dos prisioneiros, além de soltar cães famintos e assisti-los devorando os internos enfraquecidos pelo campo.
Tinha apreço pela tortura de mulheres gravidas e gostava de golpeá las nos seios. Essa menina vigiava cerca de 46 quartéis, nos quais viviam cerca de 30.000 (trinta mil) mulheres.
Em 1945, foi feita prisioneira pelos soldados britânicos e condenada à forca. Contudo, sua sentença não lhe assustou, pois passou toda madrugada cantando canções nazistas no cárcere. Grese foi a pessoa mais jovem a ser condenada pela lei britânica do século XX.
Segundo Damirn McGuinness “às vezes, as mulheres são retratadas como vítimas exploradas. Outras vezes, como monstros sádicos. A verdade é mais apavorante. Não eram monstros extraordinários, mas sim mulheres comuns que fizeram coisas monstruosas”3.
Assim, a história dessas mulheres nos faz refletir a realidade de milhares. Idades diferentes, classes diferentes, origens diferentes, mas todas com suas identidades para sempre marcadas pelo nazismo. Elas tiveram suas práticas desconstruídas pelo regime, suas vozes foram ceifadas, interrompidas e modificadas pelo totalitarismo.
3 McGuinness, Damirn, BBC News em Ravensbruck (Alemanha), 19/01/2021 - https://www.bbc.com/portuguese/internacional-55709166
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