Querida leitora, como está sendo a vida para você?
- Bruna Basevic
- há 16 minutos
- 5 min de leitura
Por: Ana Magnani

Mãe de quatro e avó de uma; Educadora-Pedagoga pela UNESP/FCLAr; Sonhadora em busca
constante por outros mundos possíveis para a educação; Mestra-Pesquisadora em constante
processo extensionista pela UNESP/FCLAR. Doutoranda em Educação pela UNESP/FCLAr
buscando conhecer os sonhos das crianças e como estes impactam sua permanência e
desenvolvimento escolar. Artista-arteira-brincante, Arte-educadora nos Saberes Populares
com a Carroça de Mamulengos/A Casa Tombada. Aprendiz inveterada das crianças que
compartilham seus saberes nos encontros programados e, nos outros tantos espontâneos, em
diferentes espaços e contextos. Além disso, tenho escutado mulheres nos mais diferentes
contextos buscando tecer com elas, redes de cuidado e proteção.
Querida leitora, como está sendo a vida para você?
Minha vida tem sido complexa, com momentos de estagnação e outros de muito movimento, mas tenho procurado estar o melhor possível em cada um desses momentos. Nem sempre é fácil.
Esse é o nosso primeiro encontro por aqui e devo dizer que me alegra demais essa nossa confluência. Nesses momentos em que me coloco em movimento com as memórias e as escritas, deixo minha correria de lado e me recolho. Sinto a escrita como um espaço de encontro comigo mesma e com outras mulheres, com as quais compartilho um pouco das minhas vivências e experiências, esperançando que possamos estar nesse movimento de busca por uma vida mais digna para todas.
Hoje, a manhã nasceu abafada no aguardo de uma chuva, que pode ou não chegar, e a espera por esse acontecimento me trouxe o desejo de me colocar à frente do computador, com uma xicara do meu chá preferido, para contar acerca do meu encontro com Mestra Mayá Muniz.
Porém, antes de te contar sobre esse meu encontro com a mestra, gostaria de me apresentar melhor: meu nome é Ana, sou mãe de quatro, avó de uma, artista-arteira-brincante, doutoranda em educação, escutadeira de causos e histórias, pedagoga, e muitas outras coisas que ainda estou sendo. A vida é um eterno movimento, não é mesmo?
Quero também contar que tenho me dedicado, há algum tempo, a conhecer outras mulheres, nos mais diferentes territórios e escutar suas histórias para pensar modos de tecer redes de cuidado e proteção que nos envolva a todas.
Nesse nosso primeiro encontro, gostaria de contar a você sobre o meu encontro - muitas vezes através das presenças, dos cursos e das escritas - com as mulheres indígenas.
Como é valioso aprender com outras mulheres, não é mesmo?
Pessoalmente, conheço ainda poucas mulheres indígenas, nossos encontros são momentâneos, curtas conversas, mas, para mim, com imensa profundidade. Com elas tenho aprendido sobre resistência, sonhos, perseverança, territórios, crianças, cuidados, entre tantas outras preciosidades.
Elas me presenteiam com palavras profundas que ressoam, durante um longo período, entre os meus pensamentos.
Você já teve esses encontros que são curtos em presença, mas que se presentificam em seus pensamentos por muito e muito tempo? Eu tenho tido a sorte de tê-los, ou talvez, eu esteja aprendendo a reconhecê-los e valorizá-los. Não sei. O que importa dizer é que esses encontros têm acontecido e, como acontecimentos que são, eles têm me afetado profundamente.
Bem, querida leitora, vamos deixar de devaneios, pois quero te contar sobre um encontro precioso que ocorreu com Mestra Mayá/ Maria Muniz, em um curso de extensão universitário.
Note, esse encontro teve a força de mudar o movimento da minha vida e ela nem deve saber disso. Mas o que importa dizer é que o meu encontro com ela foi um desses momentos de virada de chave, de abertura para novos saberes e novos descobrimentos sobre a vida. Um momento duradouro.
Deixe eu te contar um pouco acerca dela.
Mestra Mayá é educadora, líder política e religiosa da luta Pataxó Hãhãhãe. Ela é respeitada por seu poder de cura e no culto dos encantados de seu território – seres espirituais. Em 2022, recebeu o título de Doutora em Educação por Notório Saber pela UFMG, e seus conhecimentos continuam a se multiplicar.
Mestra Mayá já andou e viveu com sua Escola da Reconquista por 396 retomadas. Você sabe o que é uma retomada? São movimentos de luta autônomos pela reconquista das terras e dos direitos indígenas. Nesses territórios, em que impera o forte desprezo e ódio pelos indígenas - expresso através de abusos policiais e ataques constantes dos fazendeiros e seus jagunços -, ela tem desenvolvido uma educação que narra as histórias que foram tomadas e precisam voltar a ser enunciadas e transmitidas.
Histórias que digam acerca dos ensinamentos das mães, do pertencimento do povo, das práticas que não podem ser esquecidas. Uma escola que incentiva os sonhos.
Lembro de Mestra Mayá dizendo sobre a importância dos sonhos para a vida do seu povo – ela sempre foi guiada pela força espiritual de sua mãe, que recebia seus conhecimentos por meio dos sonhos, o modo como cultivar sonhos significa cuidado com a vida, prevenção de acidentes e emboscadas, aquisição de conhecimentos, relação com a ancestralidade.
“O que eu sonhei essa noite?” Essa é a pergunta que retomo a cada nascer do dia após meu encontro com a Mestra. Com ela aprendi a ser cuidadosa com meus sonhos, a respeitá-los e escutá-los.
Deixe que eu continue a te contar, querida amiga, sobre mais algumas aprendizagens importantes que tive com Mestra Mayá. A educadora me fez compreender a importância de um território, não somente como um espaço material tal como o modelo neoliberal de mundo nos faz acreditar, porém como um espaço de comunidade, que congrega conhecimento de mundos, vivencias, saberes, fazer parentes, ancestralidade. Um lugar que abarca toda a cosmo percepção de mundo de um povo. A Mestra ainda irá nos provocar a compreender que precisamos – e nesse caso me dirijo a nós mulheres – manter vivas as nossas lembranças e saberes, manter vivo o nosso espírito entrelaçado ao das nossas ancestrais, para estar sempre prontas para os enfrentamentos.
Mestra Mayá, com outras mulheres indígenas, irá nos provocar, portanto, a pensar entrelaçamentos, manutenção de vínculos entre mulheres - desde as que vieram antes até as que virão depois. Tecer redes de cuidado e proteção para o enfrentamento de todas as formas de violências.
Querida leitora, quero te contar que longe de aceitar a linearidade do tempo, Mestra Mayá irá nos ensinar sobre a importância das acolhidas e das despedidas, do parto e da morte, das chegadas e das partidas. Ela irá nos apresentar a história como uma entidade viva, que não fica presa ao passado, mas que continua em acontecimento. Lembra da frase de Ailton Krenak: “nosso futuro é ancestral?” Pois é isso que essa história viva, ensinada pela nossa Mestra, irá nos provocar a pensar. Uma história que está sempre em acontecimento, mas sem ponto de partida, nem ponto de chegada.
Leitora querida, quero te dizer que Mestra Mayá me proporcionou um bom encontro, e as sementes que ela plantou em mim, naquele dia, continuam a se propagar.
Com amor,
Ana Magnani
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