Por: Marli Dias
MARLI DIAS RIBEIRO, professora, gestora escolar e educacional. Doutoranda e Mestre em Educação, palestrante, escritora, tem artigos e textos publicados no Brasil e no Exterior.
Marli compartilha conosco os desafios que enfrentou no meio acadêmico durante sua trajetória no universo da pesquisa. Ela divide conosco seus sentimentos, emoções e aprendizados.
Quando entrei na vida acadêmica e me deparei com os desafios do mestrado, comecei a refletir sobre como foi possível e como pode ser possível fazer uma leitura própria, uma reflexão totalmente livre, do que é estudado na Universidade. Sentir individualmente a percepção de autores clássicos, e a produção textual desgarrada das rígidas regras acadêmicas. Redigir sem a obrigação da nota, da produção, do dever de fazer.
Foi no cenário da Academia que mergulhei na escrita e sedimentei minha percepção de que a vida universitária traduz um momento específico, único, subjetivo na vida do estudante, na minha vida, como mulher, mãe e professora que chega com mais de 40 anos na pesquisa, apesar do etarismo corrente.
Não foi fácil, e continua sendo um desafio para mulheres maduras e mães que ao primeiro contato, nas primeiras aulas, percebe as características próprias na escrita, no vocabulário, na pesquisa, na busca pelo conhecimento, nas relações de poder, na significação do aprendizado, na inclusão acadêmica para um mundo ainda masculinizado.
Nesse contexto, as exigências de produtividade chegam às salas de aula universitárias, fragmentando, por vezes, o conhecimento e a capacidade de criação e de liberdade dos estudantes, e sobretudo, das mulheres. Tive sorte por ser bem acompanhada. Eu segui um conselho recebido por meu orientador: tenha foco na pesquisa, mas quando quiser escrever com liberdade, escreva o que lhe der vontade. Não esqueça das vírgulas. Mas muitas estudantes caminham solitárias.
Entretanto, foram dias até tomar coragem e surgirem as primeiras linhas. Percebi que nunca tinha sido incentivada a entregar, objetivamente, pensamentos por meio da escrita. Me assustei ao descobrir que um curso de mestrado e doutorado, se contextualizado na realidade brasileira, é um privilégio. Privilégio porque menos de 10% da população têm acesso a esse grau de instrução, infelizmente é a realidade brasileira. E, quando se entra no curso, depois de concorridos e seletivos processos burocráticos que envolvem editais únicos, provas de conhecimentos, língua estrangeira, prova de títulos e entrevistas, uma onda de alívio se estabelece, mas pasmem, é rápida, muito breve. A primeira aula vai chegar!
Na primeira aula não conheci amigo/a que não ficasse paralisado, perdido, e sentindo-se num mundo em que outro idioma parecia ser falado. Deparamo-nos com uma linguagem própria, fala-se de livros, autores, revistas e seus qualis , artigos e publicações. E, observando o conjunto de conversas, logo preocupei-me, pois, parecia ser um lugar para pessoas que não são comuns, talvez seria um lugar para gênios. Que desespero!
E depois das primeiras aulas eu teria que continuar a escrever. A indagação primeira, e agora, o que colocar no papel? Percebi o desafio e a pressão por desempenho, um sentimento primeiro de incapacidade. Duvidei da minha habilidade em redigir uma linha qualquer. Não estava familiarizada com o estilo e o gênero solicitados. E foi árdua a trajetória percorrida para desenhar cada linha. O letramento exigido na Academia, sendo ele uma realidade da Universidade, e à exemplo, podemos citar o desenvolvimento de resenhas, artigos, resumos; ainda parece ser um estranho dever, e o discurso do déficit revela o volume de projetos para superá-lo, se é que realmente exista ou deva existir estatísticas a seguir. Diante do desafio e não tendo outra opção, rabisquei, apaguei, tentei seguir modelos de resenhas, resumos, artigos. Mas não me encontrava em modelos fixos.
Resolvi arriscar, procurar me encontrar na escrita, me enxergar mesmo que de forma simples, sem a rigidez acadêmica, numa escrita talvez rebelde, por ser apenas minha, enquanto forma de produzir. E é desta forma que tenho escrito. Não procurando ser o gênio da Academia, mas reagindo individualmente aos textos e livros que leio, reflito e estudo. Uma escrita que em alguns momentos não está conformada nos padrões das normas e que talvez seja vista como uma deficiência a ser resolvida, uma lacuna gramatical ou de estilo?
Alguns mestres aceitam, outros rabiscam, uns compreendem, outros diminuem a nota, e alguns iluminam o trajeto incentivando e guiando os rumos, esses poucos incentivaram-me a construir um processo de compreensão sobre as exigências estabelecidas e minha identidade de escritora, que também desvela um enredo de reaprender a escrever. Sigo, e todas podemos seguir, pois, de certa forma, nessas escritas rebeldes, procuramos e sonhamos com mais liberdade, solidariedade e humildade.
A inclusão também se dá por meio da escrita, da leitura e incentivo a todas as mulheres. Podemos produzir nossos textos e por meio da pesquisa ampliar novas formas de reescrever no mestrado e doutorado, sem etarismos, exclusões e afastamentos.
Referência: RIBEIRO. Marli Dias. Por uma escrita rebelde no stricto sensu. AVÁ Editora. Brasília DF, 2018.
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