Por: Nathália Lerner
Pedagoga, Psicopedagoga, especialista em Gestão Educacional, Supervisão Escolar e Orientação Educacional e Coordenadora Pedagógica da Educação Infantil.
Dos becos de Goiás surgiram poemas eloquentes que, com palavras simples, conquistaram o coração de brasileiros que não necessariamente estariam apaixonados por literatura, mas que partilhavam desafios na vida semelhantes aos dela. Os versos com linguagem coloquial, que por vezes se assemelham a conselhos de vida, deram lugar a intensos sentimentos que podiam ser percebidos por quem os lessem.
As palavras suavemente alinhadas não eram fruto de privilégios, mas de sentimentos genuínos de quem viveu, sofreu e levantou-se dia após dia para recomeçar a própria história. Uma poesia de pequenezas e bonitezas, com uma cereja de sabedoria de quem reparou nos detalhes da própria trajetória.
Ana Lins dos Guimarães Peixoto, modesta em sua enormidade, descrevia-se com simplicidade em seus escritos, registros estes que foram feitos a partir de seus 14 anos de idade. Aos 15, escolheu usar um pseudônimo tornando-se então a nossa Cora. Aos 20 anos, já era uma poetisa conhecida em Goiás.
Cora, apaixonada. Fugiu de casa para casar-se em 1911 com Cantídio, advogado e divorciado. Na época, mudou-se para o interior de São Paulo e teve quatro filhos. Fez amigos e construiu histórias ao vender suas rosas e conversar com aqueles que passavam por ela.
Cora, reconhecida. Foi chamada a participar da Semana de Arte Moderna em 1922. O poeta Carlos Drummond de Andrade teceu grandes elogios aos seus escritos, tornando-a mais conhecida nesta época. Todavia, ela recusou o convite, sendo proibida pelo marido.
Aninha, guerreira. Quando viúva retornou a Goiás, fazendo doces que marcaram uma geração e nas horas vagas, continuava a escrever. Considerava seus doces mais encantadores que seus poemas… A função deles? Sustentar seus quatro filhos com dignidade. A paixão pela escrita tornou-se secundária pela necessidade financeira. Destaque ao livro “Doceira e Poeta”, escrito entre receitas e fornadas em meio aos desafios domésticos.
O lucro da venda de seus doces, no entanto, não se dava ao luxo. Aninha, com sua admiração a São Francisco de Assis, levava a vida com humildade tanto no trato com o próximo quanto na modéstia de sua vida cotidiana. “Estou no fim da vida. Nada tenho e nada me falta.” A humildade e empatia com a luta dos demais também aparece com frequência em seus escritos, exemplo dá-se quando escreve sobre a mulher da vida e a chama de irmã.
Cora, apenas após conquistar seus cabelos brancos, publicou seu primeiro livro,por volta de seus 75 anos. Como ela mesma diz: - não foi fácil. Os registros de uma vida de escrita começaram a vir à tona e deram luz à 9 livros sensíveis e alinhados com os sentimentos de uma mulher intensa e ativa diante da vida. Foram eles:
Poemas dos becos de Goiás e estórias mais (1965): poesias.
Meu livro de cordel (1976): poesias.
Vintém de cobre: meias confissões de Aninha (1983): poesias.
Estórias da casa velha da ponte (1985): contos.
Os meninos verdes (1986): literatura infantil.
Tesouro da casa velha (1996): poesia.
A moeda de ouro que um pato engoliu (1997): literatura infantil.
Vila Boa de Goiás (2001): poesias.
O prato azul-pombinho|3| (2001): literatura infantil, poesia.
Cora fala ao coração daqueles que a leem até hoje, ultrapassando a barreira do tempo com seus escritos de “mulher do século passado”. Sua sutileza e objetividade com as palavras acolhe as lutas diárias e faz girar atenção daqueles que enfrentam as batalhas da vida para a esperança e o otimismo de que manter-se firme no caminho, amplia horizontes. Cora, em seu lugar de amiga, pega pela mão especialmente suas leitoras mulheres que, como ela, buscam avançar perante os desafios apresentados pela vida com hombridade e determinação de que dias melhores virão. Neste ponto, resta-nos agradecer. Obrigada pelo seu legado, Cora!
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